Fabio Olivieri de Nobile
Doutor e professor de Fertilidade do Solo – Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB)
fabio.nobile@unifeb.edu.br
No Brasil, a cultura da cana-de-açúcar tem um grande e expressivo destaque socioeconômico desde a época da colonização. Desde os anos 80, o governo federal se impôs um estímulo relevante à produção de etanol como combustível, iniciado com o Programa Nacional do Álcool (Proálcool).
Em vista disto, as áreas de produção de cana-de-açúcar (Saccharum sp.) vêm aumentando continuamente, sobretudo na região centro-oeste do Brasil. Concomitantemente ao aumento da produção de etanol, é também acrescida a produção de vinhaça, um subproduto oriundo da sua fabricação.
A vinhaça
Para cada litro de etanol são produzidos de 10 a 18 litros de vinhaça. Entre os constituintes da vinhaça estão matéria orgânica sob a forma de ácidos orgânicos, e em uma quantidade menor cátions como K++ Ca++ e Mg++. Composto por 93% de água a vinhaça, tem a característica de um fertilizante, pois estão presentes potássio, cálcio, nitrogênio e magnésio em altas quantidades, que são essenciais para a nutrição das plantas. Em menores quantidades estão presentes micronutrientes como o ferro, manganês, cobre e zinco.
Nesse contexto, a Cetesb, por meio da Decisão de Diretoria da CETESB N. 023/2020/P, de 16 de março de 2020, regulamentou os procedimentos para aplicação da vinhaça de maneira dirigida, atendendo ao limite de 30 m3 por hectare, bem como a referência para apresentação do Plano de Aplicação de Vinhaça simplificado.
A prática consiste no enriquecimento da vinhaça com fertilizante líquido, para completar a combinação de nutrientes necessários para o cultivo da cana-de-açúcar. Com a aplicação localizada, pode-se ter controle da dose do efluente.
Vantagens da aplicação localizada
Com a aplicação localizada pode-se alcançar áreas isoladas e distantes, que de outro modo seriam inviáveis. Outro benefício é quanto à aplicação precisa em toda a área pré-determinada na quantidade exata necessária.
Em outras palavras: não há excessos, desperdícios e possível sobressaturação do solo. Também podemos citar o fato de a aplicação localizada dispensar a utilização de lagoas impermeabilizadas, canhões de aspersão, canais, tubulações, bombas e outros. O risco de erosão é zero, assim como perdas de minerais por lixiviação.
Algumas usinas relatam que existem outros benefícios relevantes, como o fato de a vinhaça poder ser aplicada pós-crescimento da planta com o conjunto caminhando nas entrelinhas, com risco mínimo de danos às touceiras. A distribuição, relativamente simples e sem a necessidade de mão de obra especializada, também é um fator positivo.
Além disso, elas destacam o baixo custo de aplicação e manutenção, pois os investimentos iniciais não são tão altos, porque somente um conjunto de um trator e duas carretas já consegue distribuir de 500 a 800 m³/dia de vinhaça.
De maneira geral, podemos afirmar que cada benefício ambiental citado gera um benefício econômico. O gráfico a seguir apresenta uma comparação entre custos de adubação nos diferentes cenários de aplicação em função da distância da usina.
Figura 1. Custo de operação – método de adubação
Como citado no exemplo anterior, assumindo que a tecnologia de aplicação de vinhaça de forma localizada é economicamente viável para áreas com raio de distância de até 60 km, em média, da unidade de processamento da cana-de-açúcar, podemos afirmar que a redução de custos com compra de adubação mineral será significativa para as usinas.
Manejo
A aplicação de vinhaça localizada é realizada com tanques com várias capacidades, de 18 a 35 mil litros, montados em plataforma de arrasto ou sobre chassi de caminhão especial.
Existe a possibilidade de trabalhar com sistema de agricultura de precisão para aplicação de líquidos em taxa fixa ou variável em faixa, regulagem automática de vazão com mudança de velocidade e corte automático de seção quando ocorre sobreposição de linhas, sendo a interface amigável com qualquer marca de automação.
Já se observam em campo algumas versões da aplicação, uma delas sendo através do fluxo de óleo do trator, em que o implemento é acoplado, e outra com sistema de bombeamento hidráulico independente do trator (bomba hidráulica acoplada a TDP do trator).
Fertilizante enriquecido com vinhaça
O segmento de fertilizante líquido enriquecido com vinhaça cresce, em média, 20% ao ano, e com todos os desafios enfrentados pela alta dos preços e redução de insumos, alternativas como esta são cada vez mais acessadas.
Algumas usinas estão aumentando suas áreas de aplicação de vinhaça localizada, com relatos de ganho de produtividade de 3,0 a 7,0 toneladas por hectare (TCH) e redução de 30% nos custos, considerando o transporte da vinhaça adubada em um raio médio de 25 km.
Além da rentabilidade, uma das principais vantagens da nova tecnologia é a sustentabilidade, afinal, a solução permite menor uso de insumos, maior eficiência na aplicação (modelo fertirrigação), otimização da operação no campo e o aproveitamento de um subproduto do processamento da cana-de-açúcar.
Este último ponto é importante, já que a prática de uso da vinhaça é classificada pelo Renovabio, programa nacional de incentivo à produção de biocombustíveis no Brasil, possibilitando que o agricultor aumente sua geração de Cbios – créditos de descarbonização -, que podem ser revertidos em nova renda para o campo.
Já se pode notar alguns benefícios da aplicação localizada:
– Menor desperdício de vinhaça;
– Redução de mão de obra;
– Aplicação direta na fonte;
– Possibilidade de acrescentar ao tanque outros tipos de adubos (criar misturas);
– Oportunidade de atingir áreas mais distantes (diferente das adutoras);
– Descontinuação da necessidade de passar em fazendas e sítios da comunidade (sem vínculos contratuais com a empresa);
– Redução do risco de rompimento de adutoras em margens de rios e córregos, reservas.
Cuidados
Por outro lado, alguns pontos devem ser observados:
– Vários tanques terão que fazer a logística da vinhaça para abastecer os implementos in loco (60 m³);
– Aumento da exposição ao risco do transporte pesado;
– Tanques com mais de 15.000 litros de vinhaça sobre terrenos passíveis de estarem acidentados, incidência de cupins, cemitérios, etc., aumentando o risco de tombamento;
– Complexidade da carga “viva”, não podendo se comparar ao uniport, que tem um volume bem menor de armazenamento de líquidos;
– Desgaste elevado de equipamentos, freios, estrutura, etc., devido à composição da vinhaça;
– Incompatibilidade na escolha da tração x carga rebocada;
– Tanques que irão se enquadrar como espaço confinado (se tratando de manutenção internas).